“Vem cá, meu gato, aqui no meu regaço; guarda essas garras devagar,
E nos teus belos olhos de ágata e aço, deixa-me aos poucos mergulhar.
Quando meus dedos cobrem de carícias. Tua cabeça e o dócil torso,
E minha mão se embriaga nas delícias, de afagar-te o elétrico dorso,
Em sonho eu vejo. Seu olhar, profundo, como o teu, amável felino,
Qual dardo dilacera e fere fundo. E dos pés à cabeça, um fino
Ar sutil, um perfume que envenena
Envolvem-lhe a carne morena”
trecho do poema de C. BAUDELAiRE
Um dia ele apareceu, sorrateiro veio me seguindo, um, dois quarteirões. Inacreditavelmente lindo, cinza, aveludado, azulado… Olhou para mim, um olhar profundamente verde. Eu correspondi, e o incentivei a me seguir.
Abri o portão de casa, ele entrou primeiro, subiu as escadas. Parecia sentir-se muito a vontade. Ao final das escadas deitou-se, rolava no chão de felicidade. Ronronava. Eu, que era louca por gatos pensei, que sorte a minha! Sempre ouvi dizer que os gatos escolhiam seus donos e acabava de testemunhar a veracidade do ditado.
Ele ficou, não tinha como. Tinha de batizá-lo, olhei para ele, a elegância ao sentar, o andar silencioso a beleza… Parecia um PUMA!
Naquele ano, com a chegada dele, muita coisa mudou. Foi assim como se uma rajada de sorte entrasse pelas portas e janelas. Muitas coisas boas aconteceram a partir de então, as mais importantes permanecem até hoje.
De filhote que era, tornou-se um gatão, forte como um touro, ágil, brincalhão e briguento. Defendia seu território como um verdadeiro leão.
A convivência com ele despertou em mim uma profunda compaixão por outros gatos e pelos animais em geral. O exercício diário de afeto com aquele pequeno animal me ensinou a ser mais afetuosa com as pessoas, mais generosa, compreensiva e paciente. Era como se através dele eu pudesse aprender mais sobre as próprias relações humanas. Muitos podem não acreditar, mais essa foi a história…. É assim que o guardo na minha memória.
Ele me ensinou também uma das mais difíceis lições, a aceitação. Bem diz Fernando Pessoa, amante dos gatos, em seu poema Gato que Brincas na Rua “… bom servo das leis fatais, que regem pedras e gentes…” Ele sofria de uma doença grave, que foi muito cruel com ele. Mais a suavidade, a felicidade, a brincadeira foram constantes até praticamente os derradeiros momentos.
Para a surpresa dos veterinários sobreviveu a uma crise que parecia o fim. Acho que naquele momento ele deve ter perdido seis, das suas sete vidas.
Ele que era tinhoso e cheio de opinião, aceitava humilde e pacientemente o tratamento. Parecia entender que aquilo era bom para ele. Guerreiro queria muito viver. Era incrível, nada tirava o seu apetite, ele adorava comer. Sempre que via alguém comendo as gostosuras preferidas dele, proferia um alto e poderoso miado.
Mais a doença inclemente avançava… E dignamente ele lutava.
Até que chegou o final de certa semana, mais precisamente uma quinta-feira… Ele parou de comer. Entendi então que sua última vida estava chegando ao fim.
Ele ficou deitado, quietinho, quietinho… Da quinta para sexta, não se escutou nenhum miado. Para diminuir a dor, um remédio potente receitado pela sua querida veterinária. Na madrugada, que passei acordada, pude observar sua respiração lenta, pude sentir que seu olhar, profundamente verde, se apagava se despedia.
Uma última e infrutífera tentativa de mudar o destino, de impedir o eminente fim. No derradeiro momento eu não pude estar com ele, preferi guardar o profundamente verde olhar. Ele se foi, naquele sábado pela manhã, nos braços do meu querido irmão, a quem ele adorava.
Sua última lição para mim, no tempo a vida flui, cresce e desaparece.
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